Olá Joinville (Sobre ter desejos... sendo mulher - 6)

(para quem perguntou dos palavrões, leiam o motivo nas postagens antigas)

Não é fácil ser, ser-humano. Ainda mais mulher, ainda em um município que você conhece pouca gente, ainda mais trabalhando em um lugar cheio de machistas, ainda mais numa cidade cheia de preconceitos que só se enxergam bem de pertinho (mas que na verdade estamos atolados até a cintura, é uma lama, um esgoto), ainda mais quando você está separada e feliz da vida... Tá, peraí, deixa eu começar um outro parágrafo para explicar melhor essa merda.

A merda é que você não espera essa coisa. Na verdade espera que nunca mais vai ter desejos. Só vai trabalhar, guardar um dinheirinho para comprar uns livros, uns pacotes de Marlboro, alguns CDs, ir ao teatro (quando tem alguma coisa nessa bosta de cidade) e pagar o aluguel.

Tudo ótimo, tudo certinho, o ex-marido-mala-sem-alça-filho-da-puta que era o grande problema da sua vida, nem imagina onde você está. Mora sozinha e está fazendo tudo o que sempre quis. Homens? Você pensa que nunca mais vai precisar deles (só para cortar os cabelos... nisso eles são insuperáveis). De repente a porra da natureza resolve te sacanear. Não consegui acreditar quando comecei a ter uns pensamentos estranhos.

Falei comigo e com o resto do corpo: Vá se foder, não acredito que vocês estão fazendo isso comigo! Seja lá qual de vocês é o reponsável por essa merda. Tinha que ser coisa da minha cabeça. Tinha que ser... PRECISA ser, eu ficava repetindo.

Só para explicar o meu desejo, vou falar por mim porque pode haver alguma amiga que pense diferente. Então lá vai: O meu desejo não era só uma trepada. E nem uma cara que me ligasse no outro dia. Não entendeu? (não se preocupe nem eu entendo). Seguinte: Deveria ser uma transa gostosa, tinha que ter umas risadas (é excencial, aviso aos homens, façam as mulheres rirem), uns cigarros, sabe como é né? Trocar uma idéia. Tomar alguma coisa, comer bem, saber se ele já viu Dogville (meu filme preferido), e daí vamos dar uns beijos, uns amassos bem gostosos (nada de enfiar a língua na minha orelha, vá se foder). Depois trepamos, sem violência, mas tem que pegar com firmeza. Depois dormimos abraçados. Daí pela manhã o cara vai embora... E desaparece. Some do mundo, finito, morto, escafedesse, nunca mais... entenderam? Pois bem, era isso que eu precisava.

Uma amiga da fábrica falou de dois caras que vinham do Nordeste montar e programar uma máquina. Segundo ela os caras eram bem legais e um deles convidara ela (e mais uma amiga) para dar umas voltas em Joinville com ele e o amigo. Queriam conhecer a cidade. Se fosse há um mês atrás eu mandava para puta-que-os-pariu, mas como o corpo (ou a mente) resolveu entrar em crise aceitei o convite. Fomos jantar em algum daqueles bares da Visconde, cheio de gente imbecil, mulheres pensando que bunda é cabeça e homens pensando que carro é saber. Tudo bem, pensei comigo, “o que eu não faço por você”, falava eu com uma das partes do meu corpo. Relaxe eu repetia, vamos ver se o cara é legal. Bonito ele era, não lindo, mas tinha um certo charme, alto, queixo triangular, estava com uma roupa legal, (calça jeans e camiseta), valia a pena, bastava saber o resto...

Papo vai, papo vem, pedi uma tequila para tomar coragem e me decepcionei com a cara de babaca da figura.
- Você bebe?
Nossa! Primeiro ponto negativo. Senti que talvez a noite não fosse como eu havia imaginado. Quando acendi o terceiro Marlboro o cara pergunta.
- Você fuma bastante?
Nessa faltou pouco, eu ia responder, mas algo lá dentro de mim (literalmente) dizia, calma, calma.
As gafes foram até superáveis, a tequila ajudou um pouco, mas não sei quem foi o infeliz que inventou de falar de filmes. Quando o cara disse que adorava a série “Rambo” eu falei comigo, “fodeu”. Bem, depois só foi piorando...
Disse que os filmes que eu gostava eram coisa de mulher ou de “viado”.
- Você é homofóbico?
- Sou o que?
- Deixa para lá...

Algumas tequilas e cinco Marlboros depois...

Ele: - Pessoal da fábrica é bem legal né? Lá para cima é um saco, toda hora tem uns vagabundos querendo fazer greve, bla, bla, bla.
- Cara, sinceramente não sei de onde você veio...
- O quê?
- Deixa para lá...

Falei para minha amiga - Se esse cara continuar falando essas bobagens acho que não tem tesão no mundo que me faça ficar aqui.
- Calma. Disse ela – Segura a onda, por favor...

Mais umas tequilas... (perdi a conta)

Ele: - O sul aqui é que é bom, pessoal trabalhador, eu sou de São Paulo, mas desde que me mudei para o Nordeste minha vida é um inferno, detesto Nordestinos, bando de vagabundos, o trabalho não rende.
- Minha avó é do Nordeste seu reacionário filho da puta, babaca... Você tem mais é que ler Veja mesmo seu mané. Garanto que você adora o Jornal Nacional não é mesmo? Machista do caralho. Cara, eu estava a fim de dar para você hoje, achei você até bonito, era só você calar essa boca. Pois agora vá comer a puta que te pariu...

Levantei e fui até o caixa, mandei somar as tequilas paguei no cartão de crédito (sem grana para variar) e fui embora. Na rua, a sensação maravilhosa de liberdade... Vale mais que mil trepadas... Acendi mais um Marlboro e fui para o terminal. Passou o desejo, e logo em seguida veio outro... Uma vontade incontrolável de ler Alberto Caiero.

Tchau Joinville.