Bom Ano Joinville

- Eu falei que ia dar merda, eu falei, eu falei...
- Vai toma no cú porra, não me vem com essa que você sabia.
- Claro que eu sabia, só você mesmo para pensar que ia conseguir sua imbecil. Agora vamos nos atrasar.
- Vá se fuder seu bosta, não faz nada certo, e ainda vem cantar de bonzão.

Plaft.

Levei um tapão na cara que me fez cair no chão já com a boca sangrando. Foi assim o meu último ano novo, a briga foi porque a porra do peru não ficou pronto em tempo. Iríamos para a casa do irmão do filho da puta do ex-marido. Aquela merda toda de família, os irmãos bêbados, fazendo piadinhas sem graça, o irmão mais velho secando meus peitos, a irmã do meio reclamando da vida, as mulheres reclamando dos maridos, fazendo horrores de comida, enquanto os homens se entorpeciam na beira da churrasqueira, as crianças se matando por causa dos brinquedos que ganharam no natal, uma certa tensão pairando no ar para saber se o irmão drogado iria aparecer. Normalmente as mulheres falando merdas, também com sua visões escrotas do mundo, reclamando que os maridos não lhe chupavam ou outra que o marido chupava demais. Outra que todos sabiam que possuía um amante quinze anos mais novo, com os pensamentos vagos. O marido dessa, da mesma maneira indo atender o celular distante dizendo que era “da empresa”, sempre da empresa, o que na verdade eram também suas amantes.
Bem, que se fodam.

Como diz a música, “esse ano quero paz no meu coração”.
Estarei com amigos, comprarei um pacote de Marlboro, me darei um livro de presente e me embebedarei de Cidra. Provavelmente comeremos algo bem simples, que dê pouco trabalho, em pratos descartáveis. Ao fundo uma música gostosa, pode ser qualquer coisa, desde que seja boa.

Tchau Joinville.
Feliz Ano Novo, Feliz sonho novo, Feliz Tempo Novo, Feliz Vida Nova (nova???)...

Olá Joinville (Cidade de merda – 10)

Hoje inaugura em Choveville uma casa noturna que vai custar dois mil reais a mesa. Ou seja, alguém vai dispor de dois mil reais, mais do que ganho em um mês, para passar a noite.
E mesmo que alguém me diga que a mesa é para cinco ou seis, que se foda porra. Tô falando da quantia caralho, dois (2000), isso mesmo dois mil reias.
E aí pergunto: Cadê a crise? Quem é que vai pagar a conta? Cadê a queda disso e daquilo?
Cidadezinha de merda que não tem um teatro acessível, que um bando paga caro para ver um artista de merda da globo e não sabe de nenhum grupo de teatro da cidade, aliás, nem sabe que a cidade tem teatro. E o único que funciona tem que dividir espaço com a Conurb.
Cidadezinha de merda onde existem cada vez menos lugares públicos, e o que tem não é público. Fique em casa!!! Ou vá para recreativa, porque lá eu te controlo.
Cidadezinha de merda onde as praças são calçadas e não gramadas. Cidade das contradições, onde tem a festa das flores mas não tem nenhum lugar para eu vê-las.
Cidadezinha de merda onde ciclovias são eliminadas. Cidade das contradições, onde se chama de Cidade das bicicletas, mas se orgulha dos seus corredores de ônibus.
Cidadezinha de merda onde a diversão dos seus habitantes é ir ao supermercado. Ou então ao shopping, com a certeza que isso é lazer.
Cidadezinha de merda onde se diz Cidade do Trabalho, e o partido que se diz trabalhador é rachado, capaz de criar um vereador de merda para concorrer no mesmo bairro de outro que não é de merda, mas assusta. E o idiota do trabalhador da cidade do trabalho se caga de medo de tudo, e aceita que lhe caguem na cabeça, preservando seu empreguinho que também é uma merda. Para pagar o aluguel, ou a prestação da casinha lá na casa do caralho, em uma rua de barro, que quando for calçada vai ganhar uma placa de algum vereador filho da puta, que é claro mandou fazer a placa.
Cidade das contradições onde se diz que o ensino está acima da média nacional, e seus alunos não sabem ler uma notícia.
Cidadezinha de merda cheia de pessoas que se dizem “de origem”, com uma história mal contada e recontada por um bando de professores de merda também.
Pois é, tem gente que vai gastar dois mil reais hoje, nada contra, que enfiem seu dinheiro no cú, mas não venha me falar em crise e em “contenção de despesas”.
Cidadezinha de merda que não para de chover e me enche a alma de vontade de voar para bem longe, chuva que me carrega de uma tristeza que não sei de onde vem, de amigos que não vi mais, de livros que nunca vou ler, de gente que é ruim e a gente sabe só de olhar, de besteiras que fiz e gente que magoei... que merda.
Vou fumar mais um Marlboro e ver se passa.

Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre Fetiches e Fantoches – 9)


- Quer dar a bundinha?

Tínhamos dado a primeira. Depois de todos os transtornos e bolas-fora que passei com um babaca conforme contei no post 6, finalmente conheci um cara que não falava tanto. Tipo quietão, bebia pra caralho também, e o cara fumava, o que já foi bom para ele.. não sofri o risco dele me encher o saco pela quantidade de Marlboros que fumo.
O que me espanta nos homens é a insegurança com o quesito sexo. Gente do céu, que que é isso? Eu que sou cheia de neuroses, tive meus problemas na infância, um marido que me batia, e além de nunca... Bem, deixem-me tomar fôlego para confessar isso assim, lá vai: Eu nunca gozei...

A linha em branco acima é para dar um tempo na leitura, reticências não adiantam nessas horas. Alguém pode até dizer que eu já contei aqui no blog coisas muito piores. Mas é que isso vem lá do fundo do fundo do fundo da consciência.
Como eu dizia, se eu que tenho um monte de neuras consigo segurar a barra muito bem, como é que tantos homens não conseguem? Fico impressionada.
Logo que terminamos a primeira coisa que ele perguntou:
- Você gostou?
- Foi legal.
- Como legal?
- Ora como legal, legal ué.
A essas alturas estava tendo que controlar o riso, achando aquela conversa uma merda e com medo de mandar o cara se foder antes de dar a segunda. Já que estava ali, apesar do um enorme vazio que estava sentindo até que estava legal. Vou aproveitar dizia comigo, e disse para ele.
- Não se preocupe, para mim foi legal. – falei tentando tranqüilizá-lo, afinal havia sido legal mesmo. Para uma primeira transa, que normalmente você não sabe onde põe as mãos, foi legal.
- Só isso?
- O que mais você quer que eu diga?
- Sei lá. O que você achou do meu “instrumento”? – ele falou com um risinho forçado.
Alguma idiota deve ter mentido para esse infeliz dizendo que ele tinha um pau enorme.
- Legal.
- Legal!!!!
- Cara, relaxe, isso não importa.
- Quer dizer que você acha ele pequeno, você já viu maiores? Já viu muitos?
Agora vem a pior parte, a natureza há bilhões de anos vem dizendo para os animais que existe uma seleção natural. Alguns homens ainda estão com os instintos ligados a todo vapor, acreditando piamente que são bestas, pensando que ainda devem conquistar a fêmea pelo tamanho da tromba, ou chifre, ou dente, ou do pau. Estava começando a perder a paciência... e o tesão...
- Cara, deixe isso para lá, vamos curtir, abra outra cerveja aí para nós.
Estava temendo que de uma hora para outra ele fizesse a pergunta fatal. E eu como me propus a ser transparente nessa nova fase de minha vida, sabia que lhe falaria a verdade. Também me propus a aceitar minhas neuras e lidar com meus demônios, agora aqui para nós - cada um que lide com os seus porra.

Ele abriu a cerveja, caminhou cabisbaixo, o pau murcho, ele colocou a mão na frente para eu não ver enquanto caminhava até o frigobar, como se fosse vergonhoso, ou como se ele fosse obrigado a ficar com aquela merda dura vinte e quatro horas. Senti que a brincadeira estava por terminar. Estava quase dizendo para ele abrir um blog e começar a escrever. Quem sabe né? Não ajuda.
De repente veio com tudo, sem esperar eu engolir a cerveja, quase me engasguei, atirou a queima roupa:
- Você gozou?
Fodeu... pensei comigo.
- Cara, comigo é diferente. É a primeira vez que a gente sai, você não me conhece bem, eu não conheço bem você, é normal, acredite. Mas eu já falei para você que foi gostoso.
- Mas porque você não gozou?
Puta que os pariu, e eu lá vou saber, pensei. Mas a pergunta me fez ficar introspectiva e lembrei de vezes que ficava imaginando um monte de sacanagens e putarias e quase conseguia gozar, tinha certeza que estava perto, mas era uma sensação muito ruim depois que o cara acabava, afinal eram pensamentos bem depravados mesmo (bem mesmo), mas não me apetecia fazer nada daquilo.
Acabei falando isso sem me dar conta.
Nas cabeças do cara bateu como se eu só tivesse orgasmos com coisas pesadas, bem pesadas, putaria da grossa.
Daí veio para cima de mim, me lambendo a testa, me lambendo o rosto. Que cagada que eu fui fazer, que que eu tinha que abrir a boca. Agora esse mala pensando que é ator de filme pornô.
Sem que eu notasse foi para baixo e começou a me laber como um cahorro, e dali a pouco, virou o corpo ao contrário do meu, continou me lambendo e disse:
- Me chupa.
Eu tive que fazer um esforço enorme para não começar a rir.
- Cara eu sou completamente descordenada, não consigo mascar chicletes e andar que eu caio. Ou faço uma coisa ou recebo outra, tenho que me concentrar. Sério mesmo, não rola, vem aqui e me dá um beijo. – Eu nunca falei aqui no blog, mas, eu adoro beijar, gosto muito mesmo.

Dali a pouco o cara me sai com a pérola que eu comecei o post:
- Quer dar a bundinha?
Eu não sabia se gargalhava convulsivamente ou saía correndo, estava começando a ficar com medo, se eu começasse a rir o cara talvez ficasse com algum complexo e creiam-me, não era minha intenção.
- Só se você fizer uma coisa.
- Aha, achei seu ponto fraco. Faço qualquer coisa – disse ele.
- Qualquer coisa mesmo?
- O que você quiser. Estou louco para ver você com esse...
- Ok, ok,ok, não precisa falar.
- Diz o que você quer meu amor.
Não sei de onde ele tirou essa agora.
- Pega um cervejinha ali para a gente.
- Quer tomar coragem é?
Ele levantou e voltou com a garrafinha.
- Toma aí, o que você quer que eu faça.
- Agora você enfia essa garrafa no seu cú. Se você gostar eu te dou o que você quer.
- Poxa gatinha qual que é? Eu sou macho pô, aqui atrás, bla, bla, bla.

Acendi um Marlboro. Estava quase desistindo.

- Cara, vem aqui... Posso te pedir para ficar quietinho só um pouquinho.
Fumei o cigarro, dei um beijo nele, ele é bonito, tem uns vinte e quatro anos, mas acho que tem mais neuras do que eu. Depois puxei ele para cima de mim, sem malabarismos.

Para mulheres neuróticas como eu... nada melhor que o tradicional.

Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre amar a vida - 8)


Na última postagem escrevi sobre uma visita que fiz a minha amiga (tia), irmã de minha mãe. As palavras a seguir são uma homenagem a ela, uma mulher além do tempo em que viveu, e acima de tudo, um ser humano surpreendente.

Ela sempre contava que sua vida havia sido uma merda, desde os tempos de criança, quando tentava desesperadamente agradar a todos. O seu pai (meu avô) abandonou sua mãe na rua por causa de outra mulher, que se tornou a minha avó (mãe da minha mãe).
Minha amiga era uma mulher baixinha (como eu), mas que quando falava se agigantava, sempre foi desprezada pela família, sempre tentaram silenciá-la, principalmente o seu pai, que escondeu as próprias torpezas de todos, menos de sua consciência.

- Fui puta sim! E puta com muito orgulho minha filha.
Eis aí um dos motivos que deixavam a família desesperada. Em uma cidade pequena, família tradicional e essa porra toda, ter um ‘ranço’ desse na família era um estorvo.

- Mas como tia? Como você pode dizer isso? Sendo usada pelos homens?
Dizia eu, a feministazinha de merda, que apanhava do marido.

Nasceu em 1933 eu acho, na época dos bondes, dos chapéus com tule, das piteiras e das luvas até o meio do braço. Adorava contar as suas histórias sobre conversas nos bondes. Foi abandonada pelo pai como já disse, e por conta disso passou boa parte da infância e da juventude tentando agradar aos outros, tentando fazer tudo para que os outros vissem que ela não era uma aberração por não ter pai. Traumas adquiridos na infância... escutados atrás das portas, comentários ouvidos nas calçadas do bairro, dedos apontados por outras crianças na escola, cochichos de professoras... Até o dia que se deu conta que o pai era um grandíssimo filho da puta. E passou a viver intensamente cada segundo da vida.
- Você tem que enfrentar seus demônios minha querida. Você tem que se gostar.

Na época que abandonou a cidade para ir morar em São Paulo, uma moça ou era “de família” - para casar - ou era “vagabunda”.
– Escolhi ver de perto a segunda opção - me disse certa vez.

Foi um tempo de muita melancolia e desespero, quando ela quis viver, amar, conhecer, estudar... as garras do preconceito não soltavam de suas meias de seda. Era sufocante. Ela contava que a sensação era de que estava mergulhando em um poço de petróleo e na medida em que afundava, mais pesada ficava sua existência. Chegando a deixá-la paralisada em muitos momentos, literalmente, o corpo travava e ela passava por processos de culpa extremos, sentindo-se impotente, infeliz e incapaz. Quando me contou sua história anos mais tarde, dizia:
– Agora compreendo que iria morrer se continuasse vivendo na mesma cidade, daquela maneira.

- Não entendo o que tem de orgulhoso nisso tia? Ser puta?
- Minha flor, naquele tempo, para você ser puta, tinha que ser muito feminina. Não era qualquer uma não. Hoje em dia qualquer sem vergonha pode fazer isso, basta rebolar a bunda. Era preciso ser muito mulher. Era preciso saber dançar sabia? Mas dançar mesmo. Um homem chegava e lhe pagava uma bebida por educação, não porque era obrigado, não porque a mulher lhe pedia uma esmola. Não tem nada mais triste de que uma puta pedir esmola. Era preciso ser conquistada. O homem lhe solicitava para uma dança, e não pedia que você tirasse a roupa, aliás, tirar a roupa só no quarto. Nada de ir passando a mão não. Tinha que conquistar.

Seus olhos brilhavam quando a memória buscava nos escaninhos do tempo suas aventuras nos cassinos do Jardim Sofia nos anos cinqüenta.
- Nós gostávamos dos que sabiam dançar. Pois esses eram da noite. Conheciam a boemia. Conheciam uma mulher. Chegavam perfumados e bebiam pouco, o suficiente para rirem e nos fazerem sorrir. Era bom ser puta minha filha, porque naquele tempo, além de ir contra a ordem estabelecida, além de sermos bem tratadas, estávamos acima de outras mulheres que só de longe pressentiam os ruídos das mudanças que se aproximavam nos anos sessenta, estávamos vivendo o sonho. Éramos independentes... com dinheiro... e loucas da cabeça.

Claro que nem tudo era um mar de rosas.
- Na noite você tem que ser respeitada. - segredava-me - Se não passam por cima de você.
E contava de amigas que haviam sucumbido ao furor da noite e toda a sua velocidade.
- É você que dá o ritmo, é você que dá o ritmo entende? Se não ela te arrebenta.

Muitas vezes falava como se ainda tivesse vinte e poucos anos.
Muitas vezes entrava em uma tristeza profunda porque viu a merda em que o mundo se transformou.

Trabalhou no teatro, aprendeu a pintar, a esculpir, a dançar... bebeu a noite, viveu a noite, fez festa onde havia tristeza, amou onde havia preconceito, pisou e dançou em cima dos cacos do passado... e ao sair com os pés sangrando desse ritual meio macabro, transformou-se naquela mulher quase mística.
– Você tem que enfrentar os seus demônios minha flor – repetia como um mantra.
- Tem que se deitar com eles. Sentar em cima deles e mostrar que é você quem goza. Se bem que era difícil eu não gozar nesta posição – e ria aos cântaros, como se tivesse contado uma piada muito engraçada.

E eu, ainda carregada dos preconceitos depositados ao longo da vida, pela mãe, pelo pai, pelo marido, pelas colegas solteiras, pelas colegas casadas, pelos padres, pensei durante um tempo que aquela mulher era realmente como diziam na cidade que eu morava: “Uma velha safada”

Algum tempo depois, quando comecei a visitá-la mais amiúde, fui me dando conta da transformação que ocorria comigo. De safada ela não tinha nada, pelo contrário, um ser que recendia amor, respirava amor...

Contou-me que gostou de muitas mulheres também. Não tinha receio nenhum de falar aquilo, falava tão naturalmente que eu ficava envergonhada, de início ficava envergonhada, porque era cheia de pudores podres, depois fui ficando envergonhada de me ver tão mesquinha, tão hipócrita perto dela.
- Você tem que se amar meu amor. Amei tanto, que minha alma parece que algumas vezes vai explodir. Quando me deito, brinco de escolher memórias e sinto tudo novamente. Ah, a saudade dói um pouco. Mas uma dor gostosa. Só tenho uma ferida que não curou.
Quando ela estava com trinta e nova anos (ou quarenta não me lembro bem), ela já havia saído de São Paulo e voltado para o Paraná. Muito bem de vida. Montou um ateliê onde dava aulas de escultura e pintura, além de vender alguns quadros e alugar uns quartos que construiu com o dinheiro que juntou. A casa era um paraíso na terra, com fontes, caminhos, varandas, balanços e locais sagrados. Recebia ali escritores, artistas, músicos, pintores e qualquer louco que também amasse a vida. As noites eram regadas a vinho, música e alegria de viver.
- A vida tem que ser sugada até o bagaço - dizia ela.
Numa dessas noites chegou por lá um jovem de dezenove anos, estudante de Filosofia da UEM (Universidade Estadual de Maringá), amigo de um amigo dela.

Ela diz que ao se aproximar daquele jovem sentiu-se inteira saudade. Sentiu-se inteira solidão. O corpo gritava que queria amor. Foi se aproximando devagar, para que ele não escutasse suas veias saltando no pescoço. Falou pouco também, para que a voz não tremesse. Ficou com medo que seu cheiro de desejo estivesse se espalhando pela sala e todos notassem. Riu-se, voltou ao mundo, pediu para encherem sua taça e tocarem uma música mais alegre... – Quero dançar. Gritou ela... e dançou para todos... e dançou para ele. Riu mais ainda e mais alto ainda, como se dissesse para vida: - Ah sua filha da puta gostosa.

Entregou-se inteira, como tudo que fez em sua vida. Não deixava espaço para pensar naqueles que não lhe traziam boas lembranças, dizia:
- Minha filha, você acredita que eu sofri por alguém que nunca me deu nada? Como é que eu pude me permitir sofrer por um pai que nunca me quis? Que nunca fez nada por mim? Como é que eu passei vinte anos tentando provar para os outros que eu era uma pessoa legal? Quando me dei conta que já havia se passado tanto tempo e eu estava ainda esperando pela opinião e aprovação dos outros mandei todos para o inferno.

O rapaz também se entregou aquela mulher vinte anos mais velha do que ele. E aprendeu com ela a ser inteiro.

O ano era 1972... era ditadura... o rapaz foi preso...

(Continua na próxima semana...)

Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre Liberdade - 7)


Bato nas suas costas e espero ele se virar. Ele volta-se lentamente, lentamente por que está velho, acabado, sem força, quase ‘babão’, da juventude só resta um cheiro de água de colônia vagabunda misturado com whisky também vagabundo.
Ele me olha e diz com aquele sorriso nojento.
- Olá mocinha - creio que já lhe avisaram que é um asqueroso, pois tem que se esforçar para não deixar transparecer – posso ajudá-la?
- Sim pode.
- O que posso fazer por você, pode pedir o que quiser. (aqui aflora o ser humano abominável, o tempo não serviu para nada... ele não consegue disfarçar)
- Qualquer coisa?
- O que um homem da minha idade não faria para agradar uma moça tão bonita.
- Você não lembra de mim?
- Não

***

O que será que nos diferencia? Qual é a diferença entre eu e um homem? Por favor, não responda falando que é o seu pau, estou falando de seres plenos, em todas as suas potencialidades, independente de sexo. Vai além de força e sexo. Quem foi a filha da puta que inventou esse negócio de sermos iguais em tudo? Porra, eu não quero ser igual a um homem, mas quero ser respeitada. Não estou dando uma de feminista recalcada, só estou falando como um ser humano.
Não entendo esses caras, quem ensinou a eles que eles podem humilhar e maltratar outra pessoa?
Sempre penso que isso tem haver com algum distúrbio psicológico sabe?
O mesmo cara que maltrata uma mulher ou se acha superior a ela, será que também não se acha superior a um negro, por exemplo?
O mesmo que tenta se esfregar em mim no ônibus pensando que eu vou gostar daquilo, será que também não acha legal as idéias nazistas, por exemplo?
O mesmo que pensa que mulher tem que servi-lo como se fosse uma empregada particular, será que também não acha legal a escravidão, por exemplo?
E aí vale para o que se vangloria das suas traições, que gosta de bater na mulher, que gosta de contar para os amigos o que fez ou deixou de fazer, que passa por mim na fábrica e faz barulhos com a boca ou que é casado e fica me tratando como se eu fosse sua amiguinha... mas conheço suas intenções. Só quer uma foda... escondida, rápida e mal dada, e é uma só! A segunda é com o pau mole (ele precisa ir embora desesperadamente), quase pedindo desculpas e dizendo que está preocupado com isso e com aquilo. Sua masculinidade está no seu órgão.

Também não entendo o instinto. Porque perdem a cabeça por uma bunda? Por que ficam tão desesperados para se mostrar? Para agradar? Para foder? Qual é o botãozinho que eles têm que nós não temos? Um botãozinho que se aperta sozinho e fica apertado até a primeira gozada.

***
- Não, não me recordo. Nós nos conhecemos?

Não sei o que aconteceu comigo naquele dia. Estava na rodoviária de uma cidadezinhha no interior do Paraná (eu não sou gata de Ipanema, sou bicho do Paraná). Estava visitando minha amada tia, irmã de minha mãe, uma das pessoas mais incríveis que conheci, minha grande amiga e tutora. (outro dia falo sobre ela)
Quando o vi ali parado, tão alquebrado, um turbilhão de imagens passou pela minha mente. Como havia sonhado com esse dia, tantas vezes imaginei o que faria se eu o encontrasse na rua, algumas vezes saía do colégio e ficava pensando em encontrá-lo, outras tinha medo, pensava que sairia correndo desesperada ao avistá-lo.
E agora ali estava ele, bem na minha frente, com aqueles olhos miúdos e as suas mãos pequenas. Mas o tempo já era outro, eu não pensava nele fazia muito tempo. Não era mais a menina tímida da escola, a “garota com problemas” que só andava de preto e possuía poucos amigos. O tempo havia parado, parecia que estava em um estado letárgico. Estava casada com um cara que me batia, me xingava, me humilhava e ficava nervoso se eu atrasasse algum serviço da casa. Dizia que me dava tudo, piscina, carro, sapatos (que ele pensava que eu adorava), viagens, jantares, jóias (que ele também pensava que eu gostava)...

Para mim, naquele tempo, liberdade significava poder usar batom na rua. Sonhava em vestir a roupa que quisesse, poder dar uma caminhada, usar um perfume, ler um livro. Que ilusão. Hoje vejo que liberdade não tem nada haver com isso, nunca aquela música “liberdade tá dentro da cabeça” fez tanto sentido. Se me prenderem e eu ficar confinada num cubículo, hoje vou me sentir livre.

Naquele dia que encontrei-o, que já deve fazer uns dois anos, aprendi isso, aprendi sobre o encontro do presente e do passado, sobre meus medos, minhas angústias, uma hora ou outra a gente tem que enfrentar nossos demônios, para mim, sem que nem mesmo eu soubesse, esse dia havia chegado...

- Não, acho que não nos conhecemos, você é parecido com alguém que conheci. Mas já que se ofereceu, será que não gostaria de comer um pastel comigo? Estou passando por um momento muito difícil?
- Claro mocinha, será um prazer.
- Tem uma pastelaria aqui atrás vamos lá?
- Vamos.
Eu tremia toda, meu coração estava disparado, lutava para que ele não visse minha respiração ofegante.
Para ir nessa pastelaria que fica atrás da rodoviária, havia dois caminhos: pelo lado de fora passando pelos taxistas, ou por dentro do bloco novo, que estava em construção há uns dez anos.
- Vamos por aqui, é mais perto – eu disse.
Não sabia nem o que faria. Quando passávamos por entre salas vazias, prontas, mas sem reboco, bocais de luz com fios aparecendo, chão de cimento...
Olhei para os lados para trás e não havia ninguém. Ele falava sem parar. Suas qualidades, sua casa, se eu não queria conhecer isso ou aquilo.
Um pedaço de pau no chão.
Olhei de novo para trás.
- Você não quer ir lá na minha casa?
Abaixei-me.
- Porque você está chorando?
Peguei o pedaço de pau.
- O que você vai fazer com isso?
- Você não lembra de mim, mas eu me lembro muito bem de você. Aliás, sonhei com você até os quinze anos de idade. Lembra do "cheirinho"?
- Calma moça, eu tinha problemas... era instinto.
Dei a primeira paulada nos seus joelhos, bati com força, ele caiu.
- Lembra de mim velho filho da puta.
- Calma, calma. Por favor.
- Eu tinha oito anos seu desgraçado.
Mais uma paulada, dessa vez nos peitos. Ele parece ficar sem ar.
- Pare com isso sua cadela.
- Velho filho da puta – eu gritava – desgraçado.

Naquele momento eu ganhava a liberdade. Todos os meus medos estavam se esmagando, minhas culpas, culpa pela minha mãe ser infeliz, pelo meu pai ser mandão, culpa de não ter filhos, por ter atrasado a janta para os futuros clientes da empresa do meu marido.
- Lembra que você me pegava e dizia: “vamos ver o cheirinho?”, lembra disso seu mostro desgraçado?

Esse cara era amigo do meu pai, visitava-nos, adorava brincar, algumas vezes baixou minhas calcinhas quando eu tinha oito anos e brincava com minha inocência dizendo que criança tinha que ser cheirosinha, “deixa o tio ver” dizia, e cheirava minha bunda, passava a mão, beijava e colocava sua língua nojenta para fora. E enquanto fazia isso marcava para sempre meu caminho, me enchendo de monstros que povoariam minha existência por um bom tempo.

Pisei com força nas suas bolas. Ainda hoje penso nisso e me pergunto de onde arranjei coragem. Dei mais uma paulada nas suas costas. Comecei a chorar, dei um chute na sua barriga. Comecei a chorar compulsivamente.
- Estou livre de você seu nojento filho da puta – falei chorando, com os olhos toldados pelas lágrimas que pareciam sair de uma mangueira.
Saí dali correndo. Ele ficou lá estendido...

Nesse dia comecei a fumar. Sentei no meio fio, sem medo do que os outros iriam pensar de mim, sem vergonha, sem culpa, só estávamos ali eu e eu, os monstros se afastavam lentamente. Entendi a liberdade.
Só me arrependi de ter chamado ele de “velho” e de não ter chutado sua cara.
Algum tempo depois eu me separaria e mandaria o marido-mala para puta que os pariu. Estava livre.

Entendi que a liberdade é algo interior, não exterior, não é o batom, mas a capacidade de enfrentarmos a nós mesmos, nos desnudarmos completamente, tem que ter sinceridade, ao menos com a gente mesmo, e mergulharmos fundo, dá para se machucar, mas no final o gosto do amor-próprio é insuperável.

Encerro com uma frase da Cecília Meireles que eu amo, mas questiono: “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”, será?

Tchau Joinville

Olá Joinville (Sobre ter desejos... sendo mulher - 6)

(para quem perguntou dos palavrões, leiam o motivo nas postagens antigas)

Não é fácil ser, ser-humano. Ainda mais mulher, ainda em um município que você conhece pouca gente, ainda mais trabalhando em um lugar cheio de machistas, ainda mais numa cidade cheia de preconceitos que só se enxergam bem de pertinho (mas que na verdade estamos atolados até a cintura, é uma lama, um esgoto), ainda mais quando você está separada e feliz da vida... Tá, peraí, deixa eu começar um outro parágrafo para explicar melhor essa merda.

A merda é que você não espera essa coisa. Na verdade espera que nunca mais vai ter desejos. Só vai trabalhar, guardar um dinheirinho para comprar uns livros, uns pacotes de Marlboro, alguns CDs, ir ao teatro (quando tem alguma coisa nessa bosta de cidade) e pagar o aluguel.

Tudo ótimo, tudo certinho, o ex-marido-mala-sem-alça-filho-da-puta que era o grande problema da sua vida, nem imagina onde você está. Mora sozinha e está fazendo tudo o que sempre quis. Homens? Você pensa que nunca mais vai precisar deles (só para cortar os cabelos... nisso eles são insuperáveis). De repente a porra da natureza resolve te sacanear. Não consegui acreditar quando comecei a ter uns pensamentos estranhos.

Falei comigo e com o resto do corpo: Vá se foder, não acredito que vocês estão fazendo isso comigo! Seja lá qual de vocês é o reponsável por essa merda. Tinha que ser coisa da minha cabeça. Tinha que ser... PRECISA ser, eu ficava repetindo.

Só para explicar o meu desejo, vou falar por mim porque pode haver alguma amiga que pense diferente. Então lá vai: O meu desejo não era só uma trepada. E nem uma cara que me ligasse no outro dia. Não entendeu? (não se preocupe nem eu entendo). Seguinte: Deveria ser uma transa gostosa, tinha que ter umas risadas (é excencial, aviso aos homens, façam as mulheres rirem), uns cigarros, sabe como é né? Trocar uma idéia. Tomar alguma coisa, comer bem, saber se ele já viu Dogville (meu filme preferido), e daí vamos dar uns beijos, uns amassos bem gostosos (nada de enfiar a língua na minha orelha, vá se foder). Depois trepamos, sem violência, mas tem que pegar com firmeza. Depois dormimos abraçados. Daí pela manhã o cara vai embora... E desaparece. Some do mundo, finito, morto, escafedesse, nunca mais... entenderam? Pois bem, era isso que eu precisava.

Uma amiga da fábrica falou de dois caras que vinham do Nordeste montar e programar uma máquina. Segundo ela os caras eram bem legais e um deles convidara ela (e mais uma amiga) para dar umas voltas em Joinville com ele e o amigo. Queriam conhecer a cidade. Se fosse há um mês atrás eu mandava para puta-que-os-pariu, mas como o corpo (ou a mente) resolveu entrar em crise aceitei o convite. Fomos jantar em algum daqueles bares da Visconde, cheio de gente imbecil, mulheres pensando que bunda é cabeça e homens pensando que carro é saber. Tudo bem, pensei comigo, “o que eu não faço por você”, falava eu com uma das partes do meu corpo. Relaxe eu repetia, vamos ver se o cara é legal. Bonito ele era, não lindo, mas tinha um certo charme, alto, queixo triangular, estava com uma roupa legal, (calça jeans e camiseta), valia a pena, bastava saber o resto...

Papo vai, papo vem, pedi uma tequila para tomar coragem e me decepcionei com a cara de babaca da figura.
- Você bebe?
Nossa! Primeiro ponto negativo. Senti que talvez a noite não fosse como eu havia imaginado. Quando acendi o terceiro Marlboro o cara pergunta.
- Você fuma bastante?
Nessa faltou pouco, eu ia responder, mas algo lá dentro de mim (literalmente) dizia, calma, calma.
As gafes foram até superáveis, a tequila ajudou um pouco, mas não sei quem foi o infeliz que inventou de falar de filmes. Quando o cara disse que adorava a série “Rambo” eu falei comigo, “fodeu”. Bem, depois só foi piorando...
Disse que os filmes que eu gostava eram coisa de mulher ou de “viado”.
- Você é homofóbico?
- Sou o que?
- Deixa para lá...

Algumas tequilas e cinco Marlboros depois...

Ele: - Pessoal da fábrica é bem legal né? Lá para cima é um saco, toda hora tem uns vagabundos querendo fazer greve, bla, bla, bla.
- Cara, sinceramente não sei de onde você veio...
- O quê?
- Deixa para lá...

Falei para minha amiga - Se esse cara continuar falando essas bobagens acho que não tem tesão no mundo que me faça ficar aqui.
- Calma. Disse ela – Segura a onda, por favor...

Mais umas tequilas... (perdi a conta)

Ele: - O sul aqui é que é bom, pessoal trabalhador, eu sou de São Paulo, mas desde que me mudei para o Nordeste minha vida é um inferno, detesto Nordestinos, bando de vagabundos, o trabalho não rende.
- Minha avó é do Nordeste seu reacionário filho da puta, babaca... Você tem mais é que ler Veja mesmo seu mané. Garanto que você adora o Jornal Nacional não é mesmo? Machista do caralho. Cara, eu estava a fim de dar para você hoje, achei você até bonito, era só você calar essa boca. Pois agora vá comer a puta que te pariu...

Levantei e fui até o caixa, mandei somar as tequilas paguei no cartão de crédito (sem grana para variar) e fui embora. Na rua, a sensação maravilhosa de liberdade... Vale mais que mil trepadas... Acendi mais um Marlboro e fui para o terminal. Passou o desejo, e logo em seguida veio outro... Uma vontade incontrolável de ler Alberto Caiero.

Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre ser amiga... de homem - 5)

No último post (que chique), comentei sobre quando perdi minha virgindade. Como já disse que escrever nesse blog serve mais para eu economizar com psicólogo do que qualquer outra coisa.... vamos dar uma volta no meu passado.

Umas das coisas que eu pensei sobre amizade entre homens e mulheres, sempre foi o fato de que existe um silêncio tácito sobre o assunto atração entre os amigos.
”Será que ele quer fazer sexo comigo?”
Humm, diz ele que não, mas e se eu disser:
- Vem, que eu te quero. Ó, só que já vou avisando, isso vai acabar com a nossa amizade.
É melhor não forçar tanto a barra...
É, não é fácil ter amigos homens, é foda você pegar seu amigo tentando ver suas calcinhas... foda mesmo.
Mas, certas vezes depois da “foda” com o suposto amigo, você é capaz de ficar amiga dele mesmo, de verdade. São casos raros, principalmente se a “foda” foi quando você tinha treze anos.

Meu melhor amigo até a época do meu casamento foi o Vitor, meu primeiro amigo e o menino que tirou minha virgindade. Depois disso não desgrudávamos mais. Até o casamento com o traste é claro.
Tentamos transar - que palavra estranha de escrever - mais duas vezes, mas o tempo já tinha passado demais e a cumplicidade também, daí aconteceu o imprevisto: ficamos amigos mesmo, quase irmãos, inseparáveis, dos meus treze aos dezoito.
Vitor sabia todos os meus segredos, minhas paixões e meus medos, bem como eu os dele.
Fizemos todas as bobagens possíveis e imagináveis.

Como a cidade era muito interiorana, nós como bons jovens que se prezam queríamos “ficar doidos”, mas para "achar" naquela época tinha que ser no mato mesmo, nada de coisas pesadas, que isso é coisa pra babaca, ficar com os olhos estralados, com o queixo descompassado e com o astral pesado (nossa, tô virando poetiza).
Bem, resumo da ópera, tomamos chá-de-cogu duas vezes, a primeira vez eu conto em outra postagem, na segunda vez Vitão já estava com vinte anos e eu com quase dezoito, íamos ao casamento da Carla, também nossa amiga de adolescência, porém com um pequeno detalhe, Vitor ela louco por ela, louco mesmo, louco de pedra. Mas, infelicidade dele, ela estava se casando com um cara de outra cidade que chegara ali há uns sete ou oito meses. O cara tinha a maior cara de idiota, mas as meninas gostavam dele, vivia com um livro do Paulo Coelho debaixo do braço e falando algumas merdas sobre auto-conhecimento. O fato é que Carlinha ficou louca por ele, gostava de coisas insossas, que ela interpretava por misteriosas.

Na quinta-feira tomamos o chá, o casamento era no sábado, neste dia saímos da casa de outra amiga por volta das cinco da tarde para chegar na igreja as sete da noite, a família dela morava mais para fora da cidade - outro dia falo da Karen, a pessoa mais desligada que já conheci. No caminho Vitor chorava, dizendo que a Carla era a mulher da vida dele, o efeito do chá já havia passado fazia tempo.
No meio da estrada a Karen para acalmar o Vitor falava da vida, dos pássaros, das plantas, do sol, de Deus, que ele era novo ainda, e todas essas coisas que a gente fala para os amigos quando queremos acalmá-los. Só que nesses comentários falou sobre uma planta que estava em um barranco, apontou lá para baixo e disse.
- Conhece aquela planta ali Vitão?
- Não - disse ele entre lágrimas e um biquinho de coitado.
- Chama-se Trombeta, ou Lírio.
- Ah... certo.
- Tudo na natureza é lindo Vitor, essa flor simboliza desde os tempos do Egito antigo o amor sabia? bla, bla, não perca as esperanças... bla, bla, você deve seguir o exemplo da flor... bla, bla, é o simbolo da retidão... bla, bla, é alucinógena.
Silêncio.
No minuto seguinte Vitor estava lá em baixo do barranco. Catando todas as trombetas possíveis.
- Vamos Vitor, vamos nos atrasar.
- Quero ficar louco...
- Deixe de bobagem - disse a Karen - tem que ferver essa merda, não é assim. Vamos de uma vez, vamos perder a entrada da noiva.
- Me deixem.
O pessoal foi, eu fiquei mais um tempo, amigas são assim, não abandonam nunca...
- Pode ir disse ele - quero ficar sozinho.
- Tem certeza?
- Tenho alemoa (ele me chamava assim) pode ir, vou ficar bem, só queria chorar um pouco sozinho.
- Tudo bem então, te amo viu?
- Eu sei. Vá agora.

Dei uma corrida, alcancei o pessoal e fomos para a igreja. Sete e pouco entrou a Carla, estava linda. Reza vai, reza vem, levanta, senta, levanta, senta, canta, escuta o padre, levanta, senta, pai nosso, dali a pouco entra o Vitor batendo a porta. Estava com barro até os cabelos, a roupa tão linda que ele estava era puro barro, carregava um chumaço de trombetas em uma mão, e em outra havia somente uma, só caule, e ele estava mascando... ele estava mascando as flores.
- ESSA PUTA É MINHA!
A mãe da Carla desmaiou. Todos correram para acudi-la. Eu corri para o Vitor. Tirei ele da igreja enquanto a turma arranjava um carro.
- Aquela puta é minha!
- Cale a boca Vitor, vamos ser linchados.
Fiquei dois dias escondia com o Vitor, até os ânimos acalmarem, minha mãe entrava no quarto onde ele estava embaixo das cobertas suando frio, e ele gritava:
-
Aquela puta é minha! Minha.
- O que foi que você tomou Vitor?
- Nada mãe - eu dizia - é a tristeza... coisas do amor... dá isso... alucinações... loucuras... sei lá.

Sei lá mesmo, anos mais tarde soube que Vitor havia se casado e mudado para o Mato Grosso, levou com ele um pedaço da minha adolescência. O único amigo homem que já tive.

Tchau Joinville.

Olá Joinville (sobre ser mulher - 4)


Será que o cara que passa por mim secando meus peitos acha que eu vou achar aquilo bacana?
- Que gata!
Não pode ser! Não acredito nisso, o cara não pode ser tão babaca assim.
Acho que esse é o efeito colateral dos filmes de sacanagem, meu ex-marido adorava assistir essas merdas, ficava na vã ilusão que uma mulher com três caras ao mesmo tempo, metendo em todos os seus buracos possíveis, é o sonho de qualquer uma, inclusive eu. Daí ele perguntava:
- Você não gostaria?
Gostaria meu “amor”, gostaria que a sua mãe não fosse tão machista e te mandasse um dia lavar a louça quando você era pequeno. Quem sabe não abriria essa sua cabecinha de camarão.
Descobri meditando mais tarde que aquilo era na verdade uma tara dele, o ser humano é tão engraçado (ou desgraçado) que gosta de sofrer, tem prazer no auto-flagelo (é assim que se escreve?), daí também o sucesso das músicas que falam de sofrimento e de gente que foi trocada por outras gentes. Então o idiota vai lá, coloca uma música dessas bem alto e pede uma dose de alguma coisa. Parece que sofre, mas está fazendo aquilo que mais gosta: sofrer. Ou seja, numa análise mais profunda não está sofrendo, já que aquilo lhe dá um certo prazer. (não levem a mal, estou meio alta)
Bem, daí tem a influência da televisão também, fazendo que uma parte das mulheres fique pensando que sua bunda é a peça mais importante do corpo.
Daí o cara olha um enorme de um pinto daquele dos caras nojentos desses filmes e vem perguntar do dele. Insegurança que ele mesmo provocou... que mais tarde se transforma em ciúmes.
Antes de conhecer meu ex eu havia aprontado bastante na cidade, era uma filinha de papai e cheia de amigos e amigas muito avançadas para uma cidade do interior.
Durante anos - muitos anos - mesmo eu escolhendo casar com o traste o meu passado era um incômodo para ele, que coisa louca, eu não ter perdido a virgindade com ele era uma catástrofe, mesmo só tendo conhecido o cara cinco anos depois... O que ele queria que eu fizesse? Voltassa no tempo? Vai entender...
Sobre o que aprontei antes de casar conto nas próximas mensagens. Colocava a cidadezinha de pernas para o ar.
Fugi do marido violento e dos comentários das bocas maldosas da cidade, e para minha surpresa caio em uma armadilha: a maior cidade do estado prolifera o racismo e discriminação (palavras de um rapaz que fez comentários)

Mas deixe para lá, sou livre aqui, vou fumar mais um Marlboro e dormir (sozinha graças a Deus) fodam-se os que fazem piadinhas na rua.
Conselho aos homens, se preocupem mais com caráter do que com seus orgãos.
Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre ser migrante - 3)

Assisti ha alguns dias a peça Migrantes.

Achei uma maravilha, chorei tanto que nem sei, quando acabou parecia que eu tinha prendido o fôlego durante toda uma era.
Quando cheguei em Joinville, pensei na vida nova que teria, um pouco mais trabalhosa que minha vidinha de esposa-de-empresário-de-cidadezinha-do-interior-do-Paraná, mas muito mais livre.

Maravilha, comecei a ler (livros), ver filmes, ir ao cinema e fui pela primeira vez ao teatro.

A sensação é de tirar o fôlego, pensar o quanto aquelas pessoas ensaiaram, o medo que deve dar em errar. Porque ali não tem "corta, vamos gravar novamente". Coisa louca, e pensar que as pessoas trocaram essa maravilha por uma caixa na sala de casa.

Foi depois que vi a peça que comecei a juntar as peças e me dei conta dos cochichos (é assim que se escreve?) na fábrica.
Os idiotas sabem que sou um pouco (um pouco???) surda, mas não sabem que eu sei ler lábios, engraçado, são peões de fábrica igual a mim, e no entanto ficam fazendo piadinhas... Até então eu não havia entendido o que é ser "paranaense" em Joinville. Agora eu sei.

Bem, fodam-se eles também. Bando de babaca, querem mudanças tão grandes que não se dão conta que é preciso começar com a pessoa que está ao lado e com as próprias atitudes. Acabam fazendo igual ao gerente do setor, que faz igual ao diretor, que faz igual ao dono da fábrica... Que faz igual ao seus avós...

Mas não estou me importando, a vida está sendo muito boa. A sensação de liberdade é demais, estar no teatro e ver outro ser humano fazer aquilo foi uma das coisas mais emocionantes da minha vida.

Voltei caminhando até o terminal do centro, fui bem devagar, o tempo de uns quatro Marlboros, é tão bom caminhar pela cidade de noite, uma sensação tão gostosa, acho que é por esta sensação que as pessoas lutam tanto quando falam de liberdade.

Olá Joinville (Sobre livros e filmes - 2)

Passei muito tempo trancada em casa. Como disse na postagem anterior, meu marido era um pouco violento, tinha um ciúme doentio, controlava até o que eu lia.



Eu sempre gostei de ler, mas casei cedo, terminei os estudos nova (não entrei na faculdade), tinha 18 anos quando casei, desde então minhas leituras foram diminuindo, diminuindo... até chegar a Bíblia e a gibis que a Beatriz me emprestava.

Algumas vezes íamos para a praia e ele achava um absurdo eu ficar lendo, dizia que era uma perda de tempo:

- Estou pagando caro pela casa para você ficar aí lendo.
Bem, ainda não comentei que vivíamos muito bem, meu ex-marido tem uma empresa lá no Paraná que lhe rende um bom dinheiro.
Para resumir, acabavamos brigando, por causa do whisky (é assim que escreve?) dele e pelos meus livros. Acabei cedendo, prefiria não ler do que brigar.
A Bíblia ele deixava, pensava que eu estava rezando, livros me divertiam, e diversão somente ele poderia me dar. Seu prazer era beber o dia inteiro e falar dos seus carros, ou falar mal de seus funcionários... Todos eram para ele incompetentes ou então possíveis ladrões que só estavam esperando uma oportunidade para desfalcá-lo.

Filmes também eram difíceis, ela adorava filmes de porrada - esqueci de dizer, todos os palavrões que não falei antes vou falar aqui, afinal esse é o meu psicólogo - pois bem, eu gostava de dramas, ele dizia que aquilo era coisa de mulher... estúpido. Quando a gente ia na locadora ele dizia:
- Escolha um...
- Escolhi esse.
- Mas esse aí não deve ser bom, porque você não leva esse aqui?
- Você disse para eu escolher...
- Vá por mim, esse aí é ruim. Você quer ver sozinha?
Isso era uma intimação, lembra que eu não poderia ter prazer sem ele? Também tinha um pouco de insegurança, no início do casamento vimos um filme sobre uma mulher casada com um bruta montes, a mulher se apaixona por um homem gentil. Foi difícil explicar que não por causa dele, que não tinha nada a ver. Era só o início...

Bom, mas foda-se ele. (não falei que iria falar palavrão?)
Estou assistindo muitos filmes, e comecei a diversificar minha leitura, virei uma psicótica, passo horas nos sebos, quero começar a comprar livros novos, quem sabe um por mês? Adoro o cheiro de um livro novo... Nada se compara... Absolutamente nada... Um livro novo, um café e um Marlboro (preciso largar essa merda)... Estranho que uma sensação de liberdade tão plena possa advir da junção dessas três coisas tão simples.

Do passado... Bem... Do passado só restou o Marlboro (o imbecil fumava essa marca). Um dia eu largo, por enquanto tem sido um ótimo companheiro.

Sobre livros e filmes deixarei uma listinha ao lado.
Tchau Joinville.

Olá Joinville (Quem sou eu? - 1)

Para quem ler o que vou escrever aqui gostaria que soubesse quem sou, ou ao menos como resolvi escrever. (no fundo é porque não tenho dinheiro para pagar um psicólogo)
Cheguei em Joinville no final de 2007, vim fugida de uma cidade do interior do Paraná, fugida não - fica muito forte - foi uma decisão. Meu ex-marido era um pouco violento e resolvi sair de lá para melhorar de vida sabe?
Trabalho em uma fábrica (claro que não vou dizer qual), aliás esse nome é fictício, bem como o sobrenome. Beatriz era uma menina que era minha vizinha lá no Paraná, uma das poucas pessoas que eu conversava. O sobrenome eu vi em um jornal quando cheguei na rodoviária.
Bem, essas serão as únicas mentiras (odeio essa palavra) que escreverei.

Quando cheguei aqui comprei uma revista na Banca Colin, era uma Época do ano passado que falava sobre os blogs, comprei a revista e além disso todo mundo no curso de informática que estou fazendo tem um, gostei da idéia, me expor totalmente sem que ninguém saiba quem sou.

Tenho 25 anos estatura média, baixinha, loira, não sou feia, mas também não sou bonita, além disso tenho um problema de audição.

Vou escrever pouco, minha internet é discada, o que equivale a dizer que só entro após a meia-noite, como estou sempre cansada, postagens (é assim que se escreve?) somente finais de semana ou nos dias de insônia (maus sonhos).