Olá Joinville (Sobre Fetiches e Fantoches – 9)


- Quer dar a bundinha?

Tínhamos dado a primeira. Depois de todos os transtornos e bolas-fora que passei com um babaca conforme contei no post 6, finalmente conheci um cara que não falava tanto. Tipo quietão, bebia pra caralho também, e o cara fumava, o que já foi bom para ele.. não sofri o risco dele me encher o saco pela quantidade de Marlboros que fumo.
O que me espanta nos homens é a insegurança com o quesito sexo. Gente do céu, que que é isso? Eu que sou cheia de neuroses, tive meus problemas na infância, um marido que me batia, e além de nunca... Bem, deixem-me tomar fôlego para confessar isso assim, lá vai: Eu nunca gozei...

A linha em branco acima é para dar um tempo na leitura, reticências não adiantam nessas horas. Alguém pode até dizer que eu já contei aqui no blog coisas muito piores. Mas é que isso vem lá do fundo do fundo do fundo da consciência.
Como eu dizia, se eu que tenho um monte de neuras consigo segurar a barra muito bem, como é que tantos homens não conseguem? Fico impressionada.
Logo que terminamos a primeira coisa que ele perguntou:
- Você gostou?
- Foi legal.
- Como legal?
- Ora como legal, legal ué.
A essas alturas estava tendo que controlar o riso, achando aquela conversa uma merda e com medo de mandar o cara se foder antes de dar a segunda. Já que estava ali, apesar do um enorme vazio que estava sentindo até que estava legal. Vou aproveitar dizia comigo, e disse para ele.
- Não se preocupe, para mim foi legal. – falei tentando tranqüilizá-lo, afinal havia sido legal mesmo. Para uma primeira transa, que normalmente você não sabe onde põe as mãos, foi legal.
- Só isso?
- O que mais você quer que eu diga?
- Sei lá. O que você achou do meu “instrumento”? – ele falou com um risinho forçado.
Alguma idiota deve ter mentido para esse infeliz dizendo que ele tinha um pau enorme.
- Legal.
- Legal!!!!
- Cara, relaxe, isso não importa.
- Quer dizer que você acha ele pequeno, você já viu maiores? Já viu muitos?
Agora vem a pior parte, a natureza há bilhões de anos vem dizendo para os animais que existe uma seleção natural. Alguns homens ainda estão com os instintos ligados a todo vapor, acreditando piamente que são bestas, pensando que ainda devem conquistar a fêmea pelo tamanho da tromba, ou chifre, ou dente, ou do pau. Estava começando a perder a paciência... e o tesão...
- Cara, deixe isso para lá, vamos curtir, abra outra cerveja aí para nós.
Estava temendo que de uma hora para outra ele fizesse a pergunta fatal. E eu como me propus a ser transparente nessa nova fase de minha vida, sabia que lhe falaria a verdade. Também me propus a aceitar minhas neuras e lidar com meus demônios, agora aqui para nós - cada um que lide com os seus porra.

Ele abriu a cerveja, caminhou cabisbaixo, o pau murcho, ele colocou a mão na frente para eu não ver enquanto caminhava até o frigobar, como se fosse vergonhoso, ou como se ele fosse obrigado a ficar com aquela merda dura vinte e quatro horas. Senti que a brincadeira estava por terminar. Estava quase dizendo para ele abrir um blog e começar a escrever. Quem sabe né? Não ajuda.
De repente veio com tudo, sem esperar eu engolir a cerveja, quase me engasguei, atirou a queima roupa:
- Você gozou?
Fodeu... pensei comigo.
- Cara, comigo é diferente. É a primeira vez que a gente sai, você não me conhece bem, eu não conheço bem você, é normal, acredite. Mas eu já falei para você que foi gostoso.
- Mas porque você não gozou?
Puta que os pariu, e eu lá vou saber, pensei. Mas a pergunta me fez ficar introspectiva e lembrei de vezes que ficava imaginando um monte de sacanagens e putarias e quase conseguia gozar, tinha certeza que estava perto, mas era uma sensação muito ruim depois que o cara acabava, afinal eram pensamentos bem depravados mesmo (bem mesmo), mas não me apetecia fazer nada daquilo.
Acabei falando isso sem me dar conta.
Nas cabeças do cara bateu como se eu só tivesse orgasmos com coisas pesadas, bem pesadas, putaria da grossa.
Daí veio para cima de mim, me lambendo a testa, me lambendo o rosto. Que cagada que eu fui fazer, que que eu tinha que abrir a boca. Agora esse mala pensando que é ator de filme pornô.
Sem que eu notasse foi para baixo e começou a me laber como um cahorro, e dali a pouco, virou o corpo ao contrário do meu, continou me lambendo e disse:
- Me chupa.
Eu tive que fazer um esforço enorme para não começar a rir.
- Cara eu sou completamente descordenada, não consigo mascar chicletes e andar que eu caio. Ou faço uma coisa ou recebo outra, tenho que me concentrar. Sério mesmo, não rola, vem aqui e me dá um beijo. – Eu nunca falei aqui no blog, mas, eu adoro beijar, gosto muito mesmo.

Dali a pouco o cara me sai com a pérola que eu comecei o post:
- Quer dar a bundinha?
Eu não sabia se gargalhava convulsivamente ou saía correndo, estava começando a ficar com medo, se eu começasse a rir o cara talvez ficasse com algum complexo e creiam-me, não era minha intenção.
- Só se você fizer uma coisa.
- Aha, achei seu ponto fraco. Faço qualquer coisa – disse ele.
- Qualquer coisa mesmo?
- O que você quiser. Estou louco para ver você com esse...
- Ok, ok,ok, não precisa falar.
- Diz o que você quer meu amor.
Não sei de onde ele tirou essa agora.
- Pega um cervejinha ali para a gente.
- Quer tomar coragem é?
Ele levantou e voltou com a garrafinha.
- Toma aí, o que você quer que eu faça.
- Agora você enfia essa garrafa no seu cú. Se você gostar eu te dou o que você quer.
- Poxa gatinha qual que é? Eu sou macho pô, aqui atrás, bla, bla, bla.

Acendi um Marlboro. Estava quase desistindo.

- Cara, vem aqui... Posso te pedir para ficar quietinho só um pouquinho.
Fumei o cigarro, dei um beijo nele, ele é bonito, tem uns vinte e quatro anos, mas acho que tem mais neuras do que eu. Depois puxei ele para cima de mim, sem malabarismos.

Para mulheres neuróticas como eu... nada melhor que o tradicional.

Tchau Joinville.

Olá Joinville (Sobre amar a vida - 8)


Na última postagem escrevi sobre uma visita que fiz a minha amiga (tia), irmã de minha mãe. As palavras a seguir são uma homenagem a ela, uma mulher além do tempo em que viveu, e acima de tudo, um ser humano surpreendente.

Ela sempre contava que sua vida havia sido uma merda, desde os tempos de criança, quando tentava desesperadamente agradar a todos. O seu pai (meu avô) abandonou sua mãe na rua por causa de outra mulher, que se tornou a minha avó (mãe da minha mãe).
Minha amiga era uma mulher baixinha (como eu), mas que quando falava se agigantava, sempre foi desprezada pela família, sempre tentaram silenciá-la, principalmente o seu pai, que escondeu as próprias torpezas de todos, menos de sua consciência.

- Fui puta sim! E puta com muito orgulho minha filha.
Eis aí um dos motivos que deixavam a família desesperada. Em uma cidade pequena, família tradicional e essa porra toda, ter um ‘ranço’ desse na família era um estorvo.

- Mas como tia? Como você pode dizer isso? Sendo usada pelos homens?
Dizia eu, a feministazinha de merda, que apanhava do marido.

Nasceu em 1933 eu acho, na época dos bondes, dos chapéus com tule, das piteiras e das luvas até o meio do braço. Adorava contar as suas histórias sobre conversas nos bondes. Foi abandonada pelo pai como já disse, e por conta disso passou boa parte da infância e da juventude tentando agradar aos outros, tentando fazer tudo para que os outros vissem que ela não era uma aberração por não ter pai. Traumas adquiridos na infância... escutados atrás das portas, comentários ouvidos nas calçadas do bairro, dedos apontados por outras crianças na escola, cochichos de professoras... Até o dia que se deu conta que o pai era um grandíssimo filho da puta. E passou a viver intensamente cada segundo da vida.
- Você tem que enfrentar seus demônios minha querida. Você tem que se gostar.

Na época que abandonou a cidade para ir morar em São Paulo, uma moça ou era “de família” - para casar - ou era “vagabunda”.
– Escolhi ver de perto a segunda opção - me disse certa vez.

Foi um tempo de muita melancolia e desespero, quando ela quis viver, amar, conhecer, estudar... as garras do preconceito não soltavam de suas meias de seda. Era sufocante. Ela contava que a sensação era de que estava mergulhando em um poço de petróleo e na medida em que afundava, mais pesada ficava sua existência. Chegando a deixá-la paralisada em muitos momentos, literalmente, o corpo travava e ela passava por processos de culpa extremos, sentindo-se impotente, infeliz e incapaz. Quando me contou sua história anos mais tarde, dizia:
– Agora compreendo que iria morrer se continuasse vivendo na mesma cidade, daquela maneira.

- Não entendo o que tem de orgulhoso nisso tia? Ser puta?
- Minha flor, naquele tempo, para você ser puta, tinha que ser muito feminina. Não era qualquer uma não. Hoje em dia qualquer sem vergonha pode fazer isso, basta rebolar a bunda. Era preciso ser muito mulher. Era preciso saber dançar sabia? Mas dançar mesmo. Um homem chegava e lhe pagava uma bebida por educação, não porque era obrigado, não porque a mulher lhe pedia uma esmola. Não tem nada mais triste de que uma puta pedir esmola. Era preciso ser conquistada. O homem lhe solicitava para uma dança, e não pedia que você tirasse a roupa, aliás, tirar a roupa só no quarto. Nada de ir passando a mão não. Tinha que conquistar.

Seus olhos brilhavam quando a memória buscava nos escaninhos do tempo suas aventuras nos cassinos do Jardim Sofia nos anos cinqüenta.
- Nós gostávamos dos que sabiam dançar. Pois esses eram da noite. Conheciam a boemia. Conheciam uma mulher. Chegavam perfumados e bebiam pouco, o suficiente para rirem e nos fazerem sorrir. Era bom ser puta minha filha, porque naquele tempo, além de ir contra a ordem estabelecida, além de sermos bem tratadas, estávamos acima de outras mulheres que só de longe pressentiam os ruídos das mudanças que se aproximavam nos anos sessenta, estávamos vivendo o sonho. Éramos independentes... com dinheiro... e loucas da cabeça.

Claro que nem tudo era um mar de rosas.
- Na noite você tem que ser respeitada. - segredava-me - Se não passam por cima de você.
E contava de amigas que haviam sucumbido ao furor da noite e toda a sua velocidade.
- É você que dá o ritmo, é você que dá o ritmo entende? Se não ela te arrebenta.

Muitas vezes falava como se ainda tivesse vinte e poucos anos.
Muitas vezes entrava em uma tristeza profunda porque viu a merda em que o mundo se transformou.

Trabalhou no teatro, aprendeu a pintar, a esculpir, a dançar... bebeu a noite, viveu a noite, fez festa onde havia tristeza, amou onde havia preconceito, pisou e dançou em cima dos cacos do passado... e ao sair com os pés sangrando desse ritual meio macabro, transformou-se naquela mulher quase mística.
– Você tem que enfrentar os seus demônios minha flor – repetia como um mantra.
- Tem que se deitar com eles. Sentar em cima deles e mostrar que é você quem goza. Se bem que era difícil eu não gozar nesta posição – e ria aos cântaros, como se tivesse contado uma piada muito engraçada.

E eu, ainda carregada dos preconceitos depositados ao longo da vida, pela mãe, pelo pai, pelo marido, pelas colegas solteiras, pelas colegas casadas, pelos padres, pensei durante um tempo que aquela mulher era realmente como diziam na cidade que eu morava: “Uma velha safada”

Algum tempo depois, quando comecei a visitá-la mais amiúde, fui me dando conta da transformação que ocorria comigo. De safada ela não tinha nada, pelo contrário, um ser que recendia amor, respirava amor...

Contou-me que gostou de muitas mulheres também. Não tinha receio nenhum de falar aquilo, falava tão naturalmente que eu ficava envergonhada, de início ficava envergonhada, porque era cheia de pudores podres, depois fui ficando envergonhada de me ver tão mesquinha, tão hipócrita perto dela.
- Você tem que se amar meu amor. Amei tanto, que minha alma parece que algumas vezes vai explodir. Quando me deito, brinco de escolher memórias e sinto tudo novamente. Ah, a saudade dói um pouco. Mas uma dor gostosa. Só tenho uma ferida que não curou.
Quando ela estava com trinta e nova anos (ou quarenta não me lembro bem), ela já havia saído de São Paulo e voltado para o Paraná. Muito bem de vida. Montou um ateliê onde dava aulas de escultura e pintura, além de vender alguns quadros e alugar uns quartos que construiu com o dinheiro que juntou. A casa era um paraíso na terra, com fontes, caminhos, varandas, balanços e locais sagrados. Recebia ali escritores, artistas, músicos, pintores e qualquer louco que também amasse a vida. As noites eram regadas a vinho, música e alegria de viver.
- A vida tem que ser sugada até o bagaço - dizia ela.
Numa dessas noites chegou por lá um jovem de dezenove anos, estudante de Filosofia da UEM (Universidade Estadual de Maringá), amigo de um amigo dela.

Ela diz que ao se aproximar daquele jovem sentiu-se inteira saudade. Sentiu-se inteira solidão. O corpo gritava que queria amor. Foi se aproximando devagar, para que ele não escutasse suas veias saltando no pescoço. Falou pouco também, para que a voz não tremesse. Ficou com medo que seu cheiro de desejo estivesse se espalhando pela sala e todos notassem. Riu-se, voltou ao mundo, pediu para encherem sua taça e tocarem uma música mais alegre... – Quero dançar. Gritou ela... e dançou para todos... e dançou para ele. Riu mais ainda e mais alto ainda, como se dissesse para vida: - Ah sua filha da puta gostosa.

Entregou-se inteira, como tudo que fez em sua vida. Não deixava espaço para pensar naqueles que não lhe traziam boas lembranças, dizia:
- Minha filha, você acredita que eu sofri por alguém que nunca me deu nada? Como é que eu pude me permitir sofrer por um pai que nunca me quis? Que nunca fez nada por mim? Como é que eu passei vinte anos tentando provar para os outros que eu era uma pessoa legal? Quando me dei conta que já havia se passado tanto tempo e eu estava ainda esperando pela opinião e aprovação dos outros mandei todos para o inferno.

O rapaz também se entregou aquela mulher vinte anos mais velha do que ele. E aprendeu com ela a ser inteiro.

O ano era 1972... era ditadura... o rapaz foi preso...

(Continua na próxima semana...)

Tchau Joinville.